Primeiro professor indígena da UFG abraça proposta decolonial e sinaliza: educação indígena é plural
Como falar de 305 povos, que falam 274 línguas diferentes, generalizando todas essas pessoas em um só grupo? Conheça Tenywaawi e a cultura do povo Tapirapé
Diversidades
Edição N.º 27, Abril de 2023
Quantas vezes você já teve a oportunidade e a curiosidade de se aproximar de algum povo indígena? Se teve, de que povo você se aproximou? Qual era a cultura desse povo e quais os aprendizados que você acumulou após essa ocasião? As respostas para essas perguntas são essenciais. Afinal, como falar de 305 povos, que falam 274 línguas diferentes, generalizando todas essas pessoas em um só grupo? No mês de abril, celebramos o Dia dos Povos Indígenas e, diante dessa data, queremos reforçar a necessidade de, assim como denuncia o nome dessa editoria, abordar as diversidades que existem dentro do grande grupo que denominamos como indígenas.
A educação indígena é plural, assim como são os povos distribuídos por todo o Brasil. E essa premissa, por si só, já nos evidencia o absurdo que é esse pouco contato que as pessoas não indígenas têm com as diferentes etnias que existem no nosso país. Já parou para pensar que, no Brasil, existem 274 línguas indígenas diferentes, e a maioria de nós, antes de saber o básico de qualquer língua nativa brasileira, aprende o português, língua dos colonizadores que aqui chegaram em 1500 - e busca aprender idiomas como o inglês, o espanhol, o francês, o alemão, ou até mesmo o coreano?
Nas últimas semanas, a redação da revista Fique Bem teve o privilégio de visitar uma aldeia indígena localizada na Amazônia. Ao conversar em português com o cacique Pinõ Tatuyo, soubemos que ele fala mais dez línguas: nove línguas indígenas e o espanhol - só agora, depois de tão poliglota, está começando a aprender o inglês. Como essa informação toca você por aí? Por aqui, a sensação que ficou foi a de que devemos olhar, urgentemente, para os nossos povos originários- com preocupação, sim, mas principalmente com curiosidade. Esta, que deveria vir além do mês de abril.
Primeiro professor indígena da UFG
"Muitas vezes, a mídia e as escolas passam uma mensagem equivocada, quando se trata de uma questão indígena, ideias que até alimentam estereótipos", afirma Gilson Ipaxi'awyga Tapirapé, nosso entrevistado do mês. Diferente dos Tatuyos, localizados no Amazonas, os Tapirapés constituem um povo Tupi-Guarani habitante da região Araguaia, no Mato Grosso. Como é de se imaginar, a cultura dos Tapirapés é muito diferente da cultura dos Tatuyos, assim como é diferente da cultura dos Carajás, que são seus vizinhos. E isso é o que queremos reforçar aqui: indígenas são plurais demais para serem tratados como um povo só, entende?
"Quando a gente fala em educação indígena, também existe uma enorme diversidade. Há diferenças nos ensinamentos, na sociedade, na organização do povo e até no modo de ser e de se relacionar com a natureza. Então, eu posso falar em nome do povo Tapirapé", afirma Gilson, que recentemente entrou na história da Universidade Federal de Goiás (UFG) como o primeiro indígena a integrar o corpo docente da instituição.
E agora te peço licença para mudar a forma como falaremos dele daqui em diante no texto. No documento, seu nome é Gilson, mas não é esse o nome que nosso convidado está usando no momento. De acordo com ele, na cultura Tapirapé, homens e mulheres mudam de nomes conforme a fase da vida em que estão. Do nascimento até uns 12 anos, seu nome é um. Quando "rapazinho", como ele disse à redação, ou após a primeira menstrução das mulheres, seu nome é outro, e assim vai mudando a cada etapa da sua vida. Gilson está no seu terceiro nome e agora está usando Tenywaawi. Por isso, agora usaremos esse nome para nos referirmos a ele.
"A escola do povo Tapirapé é denominada Escola Indígena Estadual Tapi'itãwa. Da alfabetização ao 5º ano, os alunos estudam apenas a escrita da língua Tapirapé. Do 6º ao 9º ano, os alunos têm disciplinas como geografia, história, matemática, biologia e artes. Os professores são todos do povo Tapirapé, assim como a gestão e a língua de ensino. Alguns materiais escritos chegam em português, mas a língua da explicação é sempre Tapirapé", explica Tenywaawi.
Educação indígena decolonial
Graduado em Educação Intercultural - Ciências da Linguagem e com mestrado em Letras e Linguística, o professor que foi empossado em fevereiro na UFG fala muito em uma educação decolonial. "Antigamente, saíamos da nossa escola para aprender o que não é nosso. Já me vi, na educação, sendo colonizador do meu próprio povo. Hoje, eu defendo e afirmo que muitas vezes não é com a escrita que vamos aprender tudo. Muitas vezes, será tocando, fazendo", afirma. "Muita gente ouve a palavra matemática, por exemplo, e logo pensa em números. Mas será que em uma escola indígena, precisa ser assim? Será que aquele povo não tem outro sistema de contagem? São reflexões assim que estou fomentando", diz ele.
"Outra coisa: hoje na universidade, quando você escreve um artigo, pode ser reprovado se você não colocar citações de teóricos no seu texto. Você não pode escrever com suas ideias próprias. O que vale é aquilo que o outro já escreveu", contextualiza Tenywaawi. "No entanto, no caso de quem é indígena, nosso conhecimento é bem coletivo. Então, eu não vou escrever com as minhas ideias particulares. O que eu trago pra universidade é o conhecimento de um povo. E isso é muito diferente", comenta.
Para o professor, o momento é de repensar o que entendemos por inclusão de indígenas no espaço educativo. "Como as universidades podem aceitar indígenas dentro do espaço, mas ao mesmo tempo excluí-los? Querem que os indígenas façam coisas que muitas vezes não fazem sentido na sua cultura", indaga Tenywaawi.
"Então a minha entrada na UFG é uma conquista. Não só minha, mas de uma forma ampla: acho que a interculturalidade, na prática, começa agora. Eu não vou trabalhar apenas com dados, mas vou trazer minha vivência. E imagine quando tivermos dois, três professores indígenas de diferentes povos na universidade? Três concepções de mundo diferentes. Vai ser muito rico", declara o professor. "Não posso só me adaptar à universidade. A universidade vai ter que se adaptar ao meu modo de ser também", encerra nosso convidado. E nós agradecemos pela oportunidade de conhecer um pouco mais do povo Tapirapé e desse professor inspirador.