Em
fevereiro...
Ano novo, vida nova? Bom, quando falamos sobre a passagem de 2020 para 2021, fica um pouco difícil encarar os dias desse jeito. Com a quarentena e sem as tradicionais festas de fim de ano ou o carnaval, é provável que, mesmo em fevereiro, prevaleça em você uma sensação de continuidade — e ainda bem que tivemos as férias escolares aí para dar uma quebrada na nossa rotina!
Contudo, colega professor, a ciência comprova que não é prudente esperar por resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual. Portanto, se 2020 foi um ano duro e 2021 precisa ser um ano realmente novo, que tal mudar o que vínhamos fazendo? Foi pensando nisso, e em todos os super conteúdos produzidos em 2020, que o Fique Bem começou 2021 de cara nova, recalculou a rota e, agora, está mais dinâmico que nunca!
Todos os meses, produziremos duas lives incríveis — uma sobre o tema do mês, outra sobre saúde — , um vídeo com professores apresentando seus próprios projetos e, ao fim do mês, essa revista riquíssima, contando tudo o que rolou nas últimas semanas e trazendo conteúdos exclusivos para vocês, com um time maravilhoso de colunistas.
O tema de fevereiro foi poesia! Você está pronto para mergulhar nesse mar de palavras? Vem com a gente!
Que 2021 seja um ano novo para você também e que, mais uma vez, você fique bem, professora e professor!
Um beijo,
Professora Fique Bem
Vamos falar de Poesia?
“Você também acha que poesia rima com escola?”. Foi com essa pergunta que o Fique Bem inaugurou suas lives temáticas e, em fevereiro, promoveu um encontro encantador entre a jornalista Mariana Ferrão, a poetisa e professora Joce Araújo e a também professora Grasielly Lopes.
LIVE: POESIA NA ESCOLA
A pauta da conversa foi poesia nas escolas, mas é claro que o bate-papo não se resumiu às atividades na sala de aula. Em um show de palavras, olhares e indagações, nossas convidadas abordaram desde a complexidade existente em instigar os alunos à poesia até a relação desse gênero textual com a nossa saúde mental.
Logo no início do encontro, Joce declamou o texto “Profecia”. Numa simplicidade profunda, esse poema faz parte do seu livro “Entrega”. A professora contou que, há cinco anos, escreveu e produziu mil cópias da publicação, com o intuito de distribuí-la pelo município de Pé de Serra, na Bahia, para estimular a leitura em seus conterrâneos — muitos dos quais não tinham o hábito ou qualquer experiência com a leitura de livros.
Em um outro momento da conversa, a professora Grasielly foi questionada a respeito do quão difícil tem sido trabalhar poesia com os seus alunos. No entanto, ela revelou que o segredo é encontrar semelhanças entre o clássico e o contemporâneo.
“Quando eu pego um conceito poético e mostro para o aluno que essa mesma poesia, que foi escrita por Camões, já foi cantada pelo Legião Urbana; que a poesia trovadoresca já tem relação com o cordel e até mesmo com rappers, com o slam, eu mostro esse percurso poético de uma maneira que faz parte da vida dessa aluna e desse aluno”, diz Grasielly, idealizadora do espaço Res.piramos, um projeto de poesia que surgiu no Instagram em meio à pandemia.
As redes sociais, inclusive, foram citadas também pela professora Joce, como ferramentas de estratégia de ensino. Segundo ela, mesmo em tempos de ensino híbrido ou remoto, não há desculpa para não trabalhar a poesia com os alunos. “Online, a gente pode mandar trechos de poesias, poesias musicalizadas, gravar uma poesia e mandar via WhatsApp…”, conta a professora. “A gente chegou a fazer fotonovela e tudo vai para as redes!”, complementa.
Ainda relacionando o assunto à tecnologia, um momento emocionante da live aconteceu quando a jornalista Mariana Ferrão — agora descoberta como poetisa também — contou sobre o seu encontro com uma criança de nove anos em Cururupu, no Maranhão, durante uma reportagem para a TV Globo. A jornalista contou como poemas gravados em seu iPod fizeram a diferença na vida dessa criança. Vocês viram essa parte da live? Foi lindo!
Especialista em reportagens sobre saúde, a jornalista pontuou a importância da arte no equilíbrio emocional das pessoas. “A poesia também é uma forma de extravasar essas emoções, esse invisível que eu não sei onde colocar e que, de alguma maneira, eu preciso manifestar. Se eu conseguir concretizar num poema a minha raiva, a minha dor, o meu luto, vai ficar muito fácil de transformar aquilo”, diz Mariana.
No decorrer do encontro, houve brincadeira de criação de poesia em conjunto, leitura de um texto de Clarice Lispector, e ainda a divulgação de outros trabalhos autorais de Joce e Mari. Assista à live completa e viva à poesia!
A importância do autocuidado para
Saúde Mental
Tem pessoas que colecionam álbuns de figurinhas, canetas, moedas, colares, os bons e velhos papéis de carta… Mas o nosso convidado da live de saúde deste mês coleciona pós-graduações!
Brincadeiras à parte, o Dr. Cândido Moreira é médico psiquiatra com diversas especializações e com muito conhecimento para transmitir. Na segunda semana de fevereiro, ele veio conversar com a gente sobre a importância do autocuidado na saúde mental e o papo rendeu diversos insights.
LIVE: AUTOCUIDADO EM SAÚDE MENTAL
Para começar, você sabe o que é saúde mental? Para o nosso especialista, uma pessoa com boa saúde mental tem um nível de bem-estar que considera adequado para si. Não é a ausência de sofrimento, é um sofrimento que atinge um patamar considerado “normal”.
Eita, mas o que é normal? E foi assim que começamos a nossa live.
O Dr. Cândido nos ajudou a entender que o conceito de normalidade passa pela nossa mania — totalmente natural — de se comparar com os outros. A comparação social é evolutivamente interessante, pois motiva mudanças, desenvolve, mas o que fazer quando ela causar sofrimento?
“Se eu tenho uma tristeza causada por comparação, eu trato essa tristeza. Eu não nego ela, não penso que não deveria me preocupar com o que os outros pensam de mim, até porque a gente foi feito para se preocupar com o que as pessoas pensam de nós”, analisa o especialista. “Eu não nego a tristeza, ela é natural, eu trato esse sentimento com gentileza e conduzo, gentilmente, a minha mente para pensar em outra coisa”, complementa.
Isso é um exemplo de autocuidado. Para o nosso colecionador de diplomas, o autocuidado nada mais é que um conjunto de habilidade relacionadas à nossa capacidade de melhorar ou preservar a nossa saúde física, mental, social e financeira. E qual o limite entre o autocuidado e o egoísmo? Você já pensou sobre isso?
Além desses assuntos, o bate-papo com o nosso convidado rendeu pontuações sobre autoconhecimento, aprendizado, compaixão, autocompaixão, autossabotagem, imediatismo, tomada de consciência, dicas práticas para cuidar da saúde mental… nossa, é assunto que nem sabemos como coube em uma hora de encontro!
Você sabia, por exemplo, que o nosso cérebro se desenvolve naturalmente até por volta dos 28 anos e, a partir de então, só há desenvolvimento se houver esforço para isso? Além disso, você sabia que conhecimento e habilidades são como músculos? Se você parar de treinar, eles se perdem.
Venha aprender bastante sobre saúde mental com a nossa live! Está imperdível!
Selo
de prof
para prof
Projetos com Poesia
Voltando para o assunto do mês de fevereiro, chegou a hora de conhecer como diferentes professores estão incluindo a poesia em suas práticas pedagógicas. No vídeo a seguir, apresentamos a vocês quatro projetos desenvolvidos por colegas, que atuam na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio técnico e no EJA, e que acreditam que, de fato, “poesia rima com escola”.
O vídeo abaixo foi publicado na terceira semana do mês no nosso Youtube e é o primeiro da nossa série “De Professor Para Professor”, na qual vamos dar espaço para docentes divulgarem projetos autorais relacionados à temática do mês.
"Pede Poesia"
Natalie Sena
Igarassu (PE)
Você já pensou em produzir um livro de poemas com alunos do 5º ano do ensino fundamental? Esse projeto teve o objetivo de estimular o gosto pela leitura e produção textual por meio de ações lúdicas, que envolvem desafios contextualizados e interdisciplinares de valorização da escrita autoral.
Os alunos, com idade entre 10 e 14 anos, foram desafiados a produzir conteúdos sobre diferentes temáticas e a divulgar seus trabalhos por meio de diversas linguagens, permitindo um desenvolvimento interdisciplinar do projeto.
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do material explicativo do projeto "Pede Poesia"
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do material explicativo do projeto "Tem poesia no jardim, tem jardim de poesias"
"Tem poesia no jardim,
Tem jardim de poesia"
Daniela Mendes
Lavras (MG)
Desenvolvido com crianças da Educação Infantil, com idade entre 3 e 5 anos, o projeto deu destaque à sonoridade das poesias. As crianças puderam se divertir e explorar o gênero textual por meio do ritmo, do cantar, do falar e do recitar.
Além disso, depois de uma primeira atividade, cada sala escolheu uma poesia para trabalhar e apresentar às outras classes por meio de um sarau. As performances das crianças incluíram aspectos das artes, da escrita, de desenhos, de cantos e de dramatizações.
"Colcha de retalhos de Cora Coralina"
Sandra Clara
João Pessoa (PB)
Criado na ECIT-EJA Alice Carneiro, o projeto foi prioritariamente pensado junto a área de humanas, como forma de estimular o gosto pela leitura, bem como despertar a sensibilidade literária, através de um conhecimento mais aprofundado da prosa e poesia, com foco no trabalho de Cora Coralina.
Os alunos produziram uma verdadeira colcha de retalhos, constituída por pedaços de pano estampado e outros pedaços ilustrados com palavras e desenhos que expressassem o entendimento dos alunos sobre a obra da autora. Anualmente, a colcha é atualizada e ampliada com a participação de novos alunos da ECIT-EJA Alice Carneiro.
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do material explicativo do projeto "Colcha de Retalho de Cora Coralina"
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do material explicativo do projeto "Recitando e Cantando"
"Recitando e Cantando"
Carlene Cardoso
Parauapebas (PA)
Desenvolvido com crianças de 5 anos, o projeto abordou a obra do poeta José Paulo Paes, do livro Poemas para Brincar. De acordo com a professora, as crianças “respiraram e transpiraram”, trabalhando com a poesia do autor em uma regularidade de duas vezes por semana.
A atividade, que começou com uma roda de leitura entre os alunos, resultou em um sarau literário, que encantou a todos que o presenciaram.
Colunas
FEMINISMO
Por que precisamos de uma educação antissexista?
Hoje nós iniciamos uma jornada de diálogos sobre a importância da promoção da igualdade de gênero nos contextos educacionais. E o primeiro ponto que precisamos abordar é o fato de que uma educação antissexista se faz necessária porque temos uma educação sexista. Pode soar estranho dizer isso, mas a escola, ainda que não intencional e conscientemente reforça os estereótipos de gênero que definem papéis diferentes para meninos e meninas desde a primeira infância. Não haveria problemas na definição desses papeis se eles fossem marcados pela igualdade. Mas, o que acontece é que aos meninos são atribuídos papeis relacionados ao domínio do espaço público, ao exercício do poder, da força e da intelectualidade e às meninas fica reservado o lugar da subalternidade. Isso ocorre quando, por exemplo, na escola, há a separação de brinquedos de meninos e brinquedos de meninas. Os brinquedos das meninas, na maioria das vezes, estão associados a panelinhas, bonecas, brincar de casinha e exercer o trabalho doméstico. Aos meninos são apresentadas possibilidades relacionadas a ser super heróis, salvar o mundo, construir com blocos de montar.
Em 1975, Elena Belloti realizou uma pesquisa em famílias, creches, escolas maternais, de educação infantil e ensino fundamental para observar como meninas e meninos são educados e os dados que ela encontrou apontam que desde cedo meninas são educadas para exercer papeis secundários, para silenciarem a sua voz, para agradar ao outro, para reprimir os seus próprios desejos e vontades. A pesquisadora nos lembra que: “ninguém se compraz quando descobre que é considerado um indivíduo de segunda categoria. Essa descoberta causa sofrimento, enfraquece a autoestima, diminui a ambição, limita a auto-realização (Belloti, 1979, p.69)”. Se meninas crescem crendo que são inferiores, para os meninos a educação sexista os leva a uma construção de masculinidades adoecidas, a partir das quais eles se percebem como superiores e têm dificuldades, muitas vezes, de enxergar nas mulheres pessoas, sujeitos de direitos e vêm nelas objetos obrigados a satisfazerem todas as suas vontades.
Dados do UNFPA, resultado de um relatório lançado em 2016, apontam que os desdobramentos dessa cultura sexista são devastadores para a vida das meninas. Infelizmente, o que a pesquisa de Belloti, realizada há quase 50 anos, nos mostrou segue ocorrendo. O relatório da Situação das Meninas revelou que, na maioria dos países pelo mundo, quando uma menina completa 10 anos de idade ela deixa de ser vista como pessoa e passa a ser percebido como um objeto, algo passível de ser explorado no casamento precoce, no trabalho infantil, no abuso sexual. Essa realidade impacta a vida das meninas e produz profundas desigualdades sociais. Uma cultura que apresenta como única possibilidade identitária para as meninas o casamento e a maternidade é uma cultura que as violenta. Segundo Astrid Bant, representante do UNFPA no Brasil: “Se ter um filho e um marido é o único objetivo com que essas meninas têm a chance de sonhar, já que não são lhe dadas outras oportunidades como estudar e ter um bom trabalho, é natural que elas sigam por esse caminho, forçadas direta ou indiretamente. É preciso garantir que as jovens tenham seus direitos assegurados, além da oportunidade de exercer seu pleno potencial”. Promover uma educação antissexista significa colaborar para a construção de um mundo mais justo e mais bonito.
O relatório completo do UNFA pode ser obtido no link http://www.unfpa.org.br/Arquivos/swop2016.pdf
Quem quiser conhecer a pesquisa da Elena Gianni Belotti, recomendo a leitura do livro: “Educar para a submissão- o descondicionamento da mulher” da editora Vozes.
RACISMO
A marginalização das nossas heranças culturais ancestrais africanas
Ao cruzar o Atlântico, os povos africanos foram sequestrados e trazidos para o Brasil após serem submetidos a rituais de negação da própria cultura e identidade. A tentativa de apagamento das suas memórias foi em vão, pois os diversos povos africanos que aqui chegaram trouxeram nas suas memórias uma bagagem de conhecimentos ancestrais nas mais diversas áreas.
Em Uidá ou Ouidah, Costa da África Ocidental, no Benin, encontram-se o Monumento Portal do Não Retorno e a Árvore do Esquecimento, construídos para homenagear milhares de africanos e africanas que foram deportados para as Américas e alguns países da Europa.
O Portal do Não Retorno e a Árvore do Esquecimento são espaços físicos que materializam a memória de um período escravagista em que toda a tentativa de apagamento das culturas dos diversos povos africanos foram realizadas. Os negros e negras africanos foram obrigados a renegarem os seus nomes, os seus deuses, suas famílias, suas culturas, suas línguas e toda a sua humanidade e assim serem transformados em objetos de exploração.
Durante o ritual de apagamento das memórias dos povos africanos na Árvore do Esquecimento, os homens eram obrigados a dar nove voltas em torno de uma árvore e as mulheres sete, pois dessa forma, o colonizador fazia os africanos acreditarem que eles perderiam as suas memórias e estariam aptos a receberem uma nova identidade cultural ao cruzarem o Atlântico.
Apesar de toda as formas de atrocidades sofridas, os povos africanos escravizados no Brasil nunca tiveram as suas memórias apagadas e nos deixaram um legado que compõe a nossa cultura brasileira, e as diversas formas de resistência para garantir a cultura negra no Brasil.
As proibições das práticas culturais e religiosas dos povos africanos sempre foi marginalizada e legitimada pelo Estado brasileiro e isso deve-se ao fato das pessoas negras serem consideradas por muito tempo perigosas, vistas como violentas, ociosas, promíscuas e representarem risco eminente para a sociedade.
A Capoeira, o Samba, as religiões de matrizes africanas sempre sofreram preconceitos e discriminações. Hoje em dia, não é diferente o racismo e o preconceito com a produção cultural de origem negra e produzida por pessoas negras como o Funk e a cultura Hip Hop, ambos muito vivenciados nas periferias e favelas do país em que a maioria da população que vivem nesses espaços são pessoas negras.
A culinária afro-brasileira tem muita influência da cultura negra africana. Na Bahia temos o acarajé, bolinho feito de feijão fradinho frito no azeite, tombado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 2004. O acarajé é um alimento sagrado para os povos de terreiro, um alimento oferecido a orixá Iansã, o nome acarajé é de origem iorubá que significa “acará” (bola de fogo) e “jé” (comer), ou seja, “comer bola de fogo”. Infelizmente a desconstrução dos símbolos da cultura africana sempre esteve na sociedade brasileira e ainda hoje encontramos grupos evangélicos que insistem em se apropriar indevidamente da cultura dos povos negros escravizados, como é o caso dos grupos e pessoas que comercializam o acarajé de Jesus e praticam a capoeira gospel. Ações como essas, são formas de negar a resistência secular dos povos negros escravizados conquistada com muita luta e sangue derramado, deslegitimando assim, toda a luta dos povos negros e o legado deixado por essas pessoas na nossa cultura.
A mitologia africana que nos ajuda a compreender os valores civilizatórios africanos também é alvo constante de preconceito. As divindades nos fazem refletir sobre os princípios e as leis da natureza como em qualquer outra cultura, porém é a única que sofre perseguição no nosso país. Nas escolas se ensinam sobre a mitologia grega, romana, chinesa, indígena e tantas outras, mas a mitologia africana ainda é a que continua sendo silenciada apesar da garantia da Lei. 10.639/2003, que obriga as escolas a trabalharem a cultura africana na sala de aula.
Combater toda a forma de preconceito contra a cultura africana é contribuir para garantir a memórias de milhares de homens e mulheres negros sequestrados da África que nos deixaram um legado extraordinário em nossa cultura brasileira apesar de todas as formas de violência sofrida.
PEDAGOGIA DO ENCANTO
Sobre encantamentos
No segundo ano do Ensino Médio eu descobri que existiam seres vivos que apresentavam apenas um buraco no sistema digestório. Isso mesmo, pelo mesmo orifício o animal se alimentava e eliminava os excretas. Para uma cabeça acostumada a entender os animais com dois buraquinhos, isso foi um choque, a cabeça deu tilt, ou atualizando, o cérebro bugou. Eu fiquei tão absurdamente encantada que comecei a falar alto “Eu vou fazer Biologia, eu vou fazer Biologia.” Passado o êxtase, veio o incômodo: como eu poderia ter chegado até ali sem saber disso?
Mais do que definir minha vida profissional (Sim, me tornei bióloga!), este episódio carrega duas fortes marcas minhas. A primeira é o encantamento por aprender. Sempre que aprendo me sinto mais viva, mais forte. Sou fascinada por essa espécie Homo sapiens tão capaz de criar perguntas, de investigar, de responder, de perguntar de novo. Sou encantada pela curiosidade das crianças que questionam sem medo. Sou encantada pelas palavras, pela música, pelo mundo natural, pela ciência, por tantas coisas que me emocionam. Aliás, encanto e emoção andam de parzinho, lado a lado, num parque florido. A segunda marca é me incomodar. Sou uma pessoa movimentada por incômodos internos, não daqueles causados por outros. Junta a pulga atrás da orelha com o bicho carpinteiro e pode saber, tem algo se mexendo em mim, querendo sair e tomar forma em texto, atividade para minhas alunas e meus alunos, ações... Foi assim com essa coluna que ficou rodando na cabeça por dias e começou a incomodar tanto que tive que sentar para escrever. Incômodo e movimento sobem juntos na prancha para o salto na piscina.
Mais do que bióloga, me tornei professora. Mais do que professora: professora de Ciências de criança! É com as meninas e os meninos na escola que o encanto, a emoção, o incômodo e o movimento se misturam em leituras, experimentos, produções textuais, investigações e no mais precioso “Ahhhh, professora, entendi.”. Confesso que sou uma caçadora desse “Ahhhhh” que sai do relaxamento e do entusiasmo de quem aprendeu. Sou caçadora também de olhos arregalados que percebem que há algo novo e interessante a ser aprendido. Sou caçadora de risadas, debates e silêncios produtivos. Sou ganhadora de abraços, de segredos compartilhados, de muito carinho de crianças que entendem que aprender é transformador.
Inspirada em Paulo Freire há muito tempo quero escrever sobre uma Pedagogia do Encanto. Sobre o que tenho aprendido nessa caminhada de ensinar e aprender Ciências. Sobre a importância da curiosidade, do respeito, do afeto, do mistério, do jogo, da colaboração, do ouvir, do olhar, do sentir... Com o convite para contribuir com a revista Fique Bem, não há mais desculpa para deixar para depois. Então é agora!
Se encante e encante!
Flávia Pereira Lima
Flávia Pereira Lima é formada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Viçosa e doutora em Recursos Naturais do Cerrado pela Universidade Estadual de Goiás. É professora no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás. Seu maior desejo: que suas alunas e seus alunos compreendam a beleza de ler e explicar o mundo por meio do conhecimento científico.
COMPAIXÃO NA ESCOLA
Para início de conversa: o que você deseja para seus estudantes?
Sugestão: faça uma lista com as características que você quer que seus estudantes desenvolvam para a vida. É sério! Pense antes de continuar no texto.
Pensou? Se quiser, pode até escrever.
Agora pare e olhe a lista com atenção. Quais dessas características serão aprimoradas apenas com o desenvolvimento intelectual? Mesmo não conhecendo sua lista, eu aposto que boa parte, ou talvez a maioria das características que você colocou, necessitam do desenvolvimento das habilidades socioemocionais. Por exemplo: podemos desejar que as crianças desenvolvam bondade, empatia, honestidade, coragem, saibam nutrir bons relacionamentos, dentre muitas outras características.
Acho que está claro que focarmos em uma educação puramente intelectual não nos fará atingirmos nossos objetivos enquanto educadores.
Então como promover essa educação socioemocional?
Primeiramente, é importante estabelecer que ninguém foge à aprendizagem socioemocional. A presença de tais habilidades ou a ausência delas vai afetar nossas aulas diretamente, queira você aceitar a importância desse tema ou não. Estamos constantemente lidando com essas habilidades quando pedimos mais atenção, controle e escuta na sala de aula.
Segundo pesquisa realizada em 2013, os docentes brasileiros gastam, em média, um quinto do tempo da aula lidando com desafios de comportamento. Ou seja, a questão agora é saber quão dispostos estamos para lidar com essas habilidades imbuídos de intencionalidade e conhecimento, para aumentar a aprendizagem e as boas relações na escola.
Essa pode ser uma tarefa desafiadora pois, enquanto crianças, poucos de nós recebemos uma educação formal em habilidades socioemocionais (se você está lendo e teve aulas de como lidar com seus sentimentos, se considere muito sortuda/o). Uma parcela pequena dos professores teve formação nessa área (seja na faculdade ou em uma pós-graduação). E, de repente, tais conteúdos começam a pipocar em nossos referenciais (Base Nacional Comum Curricular) e habitar as preocupações de pais, coordenadores e diretores e, porque não, até as nossas próprias preocupações com os estudantes .
Que tal começar com calma? Se quisermos promover o bem-estar na escola, não devemos tornar esse tema em mais um ponto de estresse. Pelo contrário, vamos ser parceiros nessa jornada.
Alerta de Spoiler! Essa é uma longa jornada, sem previsão de término e com aprendizagens para a vida. Mas ela pode e deve ser divertida e transformadora.
Nós temos dois pontos por aqui.
Primeiro: para ajudarmos na construção de um mundo melhor, mais justo e agradável, devemos focar nossas atenções e esforços na promoção de uma educação para corações e mentes, ou seja, o desenvolvimento de habilidades socioemocionais
Perceba que a frase anterior não especificou que devemos fazer isso com os estudantes, pois não seremos capazes de dar aquilo que não temos ou de ensinar aquilo que não acreditamos.
Inicialmente é preciso ganhar convicção nesse caminho e para isso é fundamental começarmos por nós mesmos. E, claro, como gostamos de ensinar, também poderemos nutrir essas qualidades em nossos estudantes.
Habilidades intra e inter-relacionais podem tornar nossas vidas muito mais recompensadoras. Como lidar com meus sentimentos? Por que eles surgem? Quais são os gatilhos que despertam em mim reações automáticas deletérias? Como posso lidar com isso? Como nutrir bons relacionamentos? Essas são perguntas importantes que podem ajudar a tornar nossa jornada mais leve e agradável.
Nosso segundo ponto é: defendemos a compaixão como uma habilidade que pode e deve ser nutrida e ampliada em nós mesmos e nos nossos estudantes. Mas isso é assunto para a próxima coluna…
Aproveite e deixe nos comentários: qual é a sua lista de características desejadas para seus estudantes? Você concorda que habilidades socioemocionais devem ser valorizadas, assim como as habilidades intelectuais?