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“Quando falamos em diversidade, é preciso hackear o sistema”, afirma pedagogo e novo co-CEO da TODXS

Diversidades

Edição N.º 25, Fevereiro de 2023

Quando você se recorda daquele tempo em que você ia para a escola como estudante da educação básica, quais emoções você começa a sentir? Para muita gente, essa memória pode ser gostosa. Contudo, algumas pessoas podem não ter uma lembrança muito agradável desses anos. Se você é uma pessoa que, desde jovem, integra algum dos grupos minorizados pela sociedade, a época da escola pode ter sido especialmente desafiadora. É por isso que a revista Fique Bem agora tem uma editoria focada em conversar sobre diversidade na escola, uma pauta que precisa fazer parte do saber e do cotidiano de todas as pessoas que trabalham com educação.


“Sempre fui de falar muito e, quando estava no pré, a minha professora, que deveria me acolher, me chamava de ‘rainha da cocada preta’. Eu era uma criança negra que queria se comunicar e aquilo me machucava. Na época, eu ainda não tinha começado o meu processo de transição. Então, imagino como é a vida das crianças que já começaram. Como elas podem se sentir ainda mais desconfortáveis em estar no ambiente da escola”, relembra Gabriel Romão, nascido no distrito do Grajaú, extremo sul e periferia de São Paulo.


Homem negro e trans, Gabriel é pedagogo e apaixonado pela educação. Durante sua trajetória profissional, que soma mais de 10 anos, atuou nas áreas de treinamento, desenvolvimento e cultura em diversos segmentos, como ONGs, instituições de ensino, empresas do segmento do turismo, segurança, tecnologia e consultorias. Atualmente, Gabriel está como Co-Diretor Executivo (co-CEO) da TODXS, uma organização social sem fins lucrativos, criada em 2016, que tem como objetivo coletar e processar dados sobre a população LGBTQIA+ e desenvolver iniciativas de alto impacto social. 


Gabriel Romão, pedagogo e co-CEO da TODXS.


“Ao mesmo tempo, eu lembro da Vera, uma professora que me deu aula no meu primeiro ano do fundamental. Vera, se você ler isso, me procura! Ela me marcou positivamente, me incentivou à leitura, me incentivou a gostar da escola. E é isso: é muito importante como os professores têm esse poder de nos acolher ou de nos distanciar do ambiente escolar”, aponta Gabriel.


Corpos minorizados e a necessidade de hackear o sistema por dentro


“Pense em uma menina trans que leva ‘xingo’ no percurso de casa até a escola. Chegando lá, tem a questão do banheiro, ouve piadinhas a todo o momento, tem o seu corpo ridicularizado… Como ela vai voltar no dia seguinte?”, questiona Gabriel. E alguns estudos revelam que muitas dessas pessoas não voltam mesmo. Um documento publicado pela TODXS em 2022, que agrega dados de algumas organizações e associações LGBTQIA+ — como a Antra, o Observatório trans, da ABLGBT, e a União Nacional LGBT — , aponta que quatro em cada cinco pessoas trans abandonaram a escola ainda no ensino fundamental devido ao bullying.


“A falta de acolhimento atinge ambos os lados. Quantas pessoas trans você vê atuando na educação básica?”, pergunta Gabriel. “Essa é uma questão que passa por muitas intersecções também: eu não consegui estágio durante a minha formação em Pedagogia, mesmo tendo feito uma faculdade bacana, porque eu era tudo o que as escolas não queriam: uma mulher preta, gorda e visivelmente lésbica”, aponta. “Trabalhando em uma empresa acolhedora, eu transicionei no meio da pandemia, isolado em casa, e comecei a me envolver com grupos de diversidade. Isso porque, depois de passar pelo que eu passei, eu não aceitei que as pessoas tivessem que demorar 30 anos para serem que elas são”, reforçou.


Gabriel se tornou co-CEO da TODXS recentemente, uma posição alinhada com o seu objetivo de vida: impactar na transformação da sociedade por meio da educação, diversidade, empatia e principalmente afetividade. No entanto, mesmo assumindo essa posição de destaque, ele revela que já se sentiu reduzido ao fato de ser uma pessoa trans, um homem gordo e negro. “Falam que só sou co-CEO porque sou trans, porque isso, porque aquilo… As conquistas de todas as pessoas que têm seus corpos minorizados pela sociedade são questionadas”, desabafa. 


“Olhando para o mercado convencional, eu acredito que existem empresas que, de fato, estão se preocupando com a questão da diversidade, porque pessoas genuinamente engajadas passaram a integrar lideranças ou movimentos dentro dessas empresas. Mas é claro que tem empresas que estão embarcando nessa mais pelo discurso. O que eu falo é que a gente tem que hackear essas empresas, entrar e mudar por dentro”, finaliza. Com foco na promoção e inclusão de pessoas LGBTQIA+ na sociedade, a TODXS possui iniciativas de formação de lideranças, pesquisa, conscientização e segurança. E na sua escola, é possível hackear o sistema? Vamos refletir!



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