Psicóloga aponta a importância das referências na transformação da autoestima de meninas na escola
Hora do Café
Edição N.º 26, Março de 2023
Vamos tentar fazer juntos um rápido exercício de memória. Tente lembrar daí, que eu tentarei daqui: quando a gente era criança, quais eram as profissões que sabíamos que existiam? Professora, jogador de futebol, policial, motorista de ônibus, padeiro, doméstica? Provavelmente, naquela época, alguma dessas profissões entrou na lista do que você “gostaria de ser quando crescesse”. E as marcações de gênero que vieram junto com elas - doméstica como uma profissão feminina, e jogador de futebol como uma profissão masculina, por exemplo, assim como reproduzimos na lista acima - fincaram raízes no seu imaginário.
Não é à toa que poucas meninas sonham em ser engenheiras. Afinal, poucas dessas crianças possuem referências de mulheres engenheiras - tantas delas, inclusive, desconhecem a área da engenharia. O mesmo vale para todas as outras decisões de tomamos nas nossas vidas: referências nos ajudam a definir quem somos, onde vamos e com o que podemos sonhar.
Quando falamos na autoestima das adolescentes, essa temática continua altamente relevante. “As mulheres são, desde cedo, muito cobradas em relação aos seus corpos, à aparência física, e isso afeta a autoestima delas, principalmente na adolescência”, afirma a psicóloga Verônica Caricati. “Se eu sou uma menina que está em um espaço onde eu não tenho contato com mulheres iguais a mim, me sinto inadequada. Se não tenho contato com um mundo onde eu possa descobrir novos caminhos para pessoas como eu, é muito mais dificil eu trilhar um caminho diferente”, continua.
Licenciada em História e especialista em Psicopedagogia, Verônica teve experiências na área da Psicologia Clínica e Organizacional e atuou com projetos educativos. Atualmente, a nossa convidada para a Hora do Café de hoje é diretora no Mapa Educação, orientadora educacional de ensino superior no Instituto Ponte e atua como psicóloga voluntária em um projeto de mentoria para meninas chamado Mulheres do Amanhã.
Referências fazem toda a diferença na adolescência
“Quando a gente fala da adolescência, a gente fala de uma fase em que a menina está em um momento de autoidentificação, da construção de um autoconceito mais consolidado”, afirma ela. “Quando elas são crianças, elas passam por um processo de construção, mas ainda é muito vinculado àquilo que a família, que o adulto diz sobre ela. Na adolescência, ela está desbravando um caminho e definindo um autoconceito. Entendendo o que ela sabe sobre ela, o que ela descobre sobre ela, o que ela quer pra si”, continua a profissional.
“E a gente só entende o que a gente quer, quando a gente tem referências do mundo. Ninguém tem um autoconceito isolado do social: a gente está, o tempo todo, se descobrindo a partir do ambiente onde a gente constrói nossas relações. Com uma mentoria, por exemplo, a gente possibilita às adolescentes que elas tenham relações que fortaleçam quem elas são, que as ajudem a identificarem esse autoconceito”, termina.
Para quem é professor, esse trabalho de trazer referências às alunas pode ser feito na sala de aula, por meio do conteúdo. O que a psicóloga afirma é que, seja qual for o caminho escolhido para se seguir, a melhor opção é sempre envolver as estudantes no processo.
“Para construir qualquer ação educacional é preciso olhar os alunos e ouvi-los. Só depois de entender os estudantes, eu entendo o que eles desejam, o que eles gostam, o que eles precisam… Depois de ouvi-los, posso trazer outras visões para eles, outras perpectivas, posso empoderá-los com novos conhecimentos”, afirma. “Se eu quero que o meu aluno, ou a minha aluna, tenha uma boa autoestima, um bom autoconceito, eu preciso que eles se identifiquem com o que é apresentado a eles. Tudo o que a gente possa fazer para vincular o aluno à sua narrativa, ao seu território, e à sua comunidade é muito importante”, conclui.